Meditação de Outubro - Cara fechada
06 de Outubro de 2015, por Pe. Marcel
?Carregai o peso uns dos outros e assim cumprireis a Lei de Cristo? (Gl 6,2). Quase todo mundo ouviu a afirmação do filósofo Jean-Paul Sartre: ?o inferno são os outros.? Experimentamos que esta afirmação é verdadeira quando nos fechamos em nós mesmos, mas a verdade é que os outros não são o inferno, e sim a porta da libertação de nós mesmos.
Há diversos estados de alma que nos isolam em nós mesmos: a dor, a tristeza, a culpa, a decepção, a ansiedade, etc.. Esses estados, enquanto duram, diminuem a nossa vitalidade, e nos colocam à beira do caminho da vida onde só nos resta pedir esmola aos outros, isto é, um pouco de atenção, de afeto..., como o cego de nascença fazia, antes de se encontrar com Jesus (Jo 9,8). Literalmente, tais estados nos esgotam: as águas vivas de nossa energia vão embora lentamente, por algum cano secreto, e nos deixam força apenas suficiente para sobreviver.
Nesses momentos, o simples contato ou qualquer pedido do outro, nos deixa num estado terrível porque exige que deixemos de olhar para nós e prestemos atenção nele. Nessa situação conseguimos manter-se unido, ?em um só pedaço?, justamente por concentrar toda a atenção em nós. Podemos atender o outro só à custa de nossa própria vida ? pelo menos é assim que parece.
Agora, imaginamos uma pessoa que permanece num desses estados, isolado dos outros, e que vive todo dia com outras pessoas. A convivência vai tornar-se uma provocação constante. Qualquer aproximação do outro será motivo para um fechar-se em si mesmo, de modo cada vez mais intenso, e suscitará a frustração enorme de sentir simultaneamente a necessidade de uma dedicação total a si mesmo e o apelo insistente do próximo para uma resposta. Neste sentido, os outros são o inferno. Sem querer, por sua simples proximidade, o irmão pisa em nossa dor.
Talvez o que estou descrevendo pareça extraordinário, mas não estou falando de nada mais do que o fenômeno diário da ?cara fechada?. Por que isso acontece? É que a presença do irmão nos revela a nossa realidade, o que somos de fato e que, muitas vezes, não queremos ver. Nosso orgulho nos escraviza e nos obriga, muitas vezes, a viver em função do nosso ?eu?. O irmão é um espelho no qual podemos nos olhar. Por isso os outros não são o inferno, mas uma benção de Deus que nos ajuda a nos conhecermos e a sair do nosso ?eu? se o quisermos. É preciso conhecer ?quem sou eu? para poder amar os irmãos e as irmãs: ?Dou-vos um mandamento novo: que vos amei uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos uns aos outros? (Jo 13, 34).